SEM LIMITE
Critíca-se por aí a falta de limite das crianças. Reclama-se dos adolescentes criados sem limites. Nem adultos escapam da exigência geral. Impõe-se leis rígidas contra o consumo de álcool, fecham-se as casas de jogo, grita-se contra as drogas. Um submundo de tensões mais clandetinas aqui, menos ali, atrapalha a expectativa de um mundo ordenado. Tudo que se diz contra os excessos é em nome do limite.
De tanto exigir limites no cotidiano, ficamos surdos para nossos próprios gritos. Onde foi parar o bom senso? Quem pensa no porquê de tantas imposições? A rigidez das atitudes é a resposta fácil no desespero. O desepero é o descaminho que se explica pela falta de limites, e pela tentativa de criá-los, a cada vez, pela força. É o limite que ficou sem limite. A excessivsa proibição nos torna incompetentes para a vida.
ONDE ESTÃO?
Para muitos basta dar limites para uma boa educação. Como se a experiência do limite sozinha pudesse ser a salvação para alguém que se perdeu. Um não dito em tom solene aqui, aqui ou colá, e estaria feita mágica. Sabemos que não funciona assim. Professores contam com soluções vindas de casa. Pais desatentos ou ocupados esperam que os limites sejam produzidos na escola como se isso fosse tarefa da educação formal. A tarefa de dar limite é uma das tantas que esperamos dos outros. Todos sabemos que ela dá muito trabalho. Muitas vezes nem sabemos, os responsáveis, do que se trata. Mas, no fundo, talvez a preguiça de agir demonstre mais que cansaço ou descaso.
Talvez não confiemos na possibilidade de que um limite seja a resposta para nossos problemas, na educação, nos relacionamentos, pois nós mesmos não nos damos limites. Somos auto-indulgentes, autopiedosos, sempre prontos a perdoar as nossas falhas. A revolta contra as leis é um claro sinal de que não vemos vantagens dos limites para nós mesmos. A culpa-e o problema -costuma ser dos outros.
SINÔNIMO DE FORMA
Aristóteles dizia qua uqalquer coisa não existe para além do limite. Tudo que existe precisava de um limite para existir. Para saber o que algo é e onde está, usa-se a noção do limite. Limite é sinônimo de forma. Não podemos aber o que é uma casa senão reconhecemos seus limites concretos, que são, afinal, formais. Até a beleza era entendida como uma espécie de limite. Toda a nossa maneira de ver o mundo depende desse conceito.
Em termos éticos, os antigos entendiam o limite como autodomínio, capacidade de controlar as próprias paixões (mais tarde chamadas de pecado), de viver no meio-termo. Qualquer ação depende de limites no espaço e no tempo.
O RESPEITO
Todo limite é uma experiência que se formula na relação com o outro. Entre mim e o outro há sempre um espaço imponderável. Nesse vazio entre "eu e tu", a melhor coisa a ser colocada é o respeito. Se o limite é a experiênci que permite saber até onde se pode chegar e, com sorte, a protetora dor de saber aonde não se deve ir. o respeito é única de todas as experiências que não pode ter limite. Porque respeito é o modo de olhar para o outro de modo positivo, ver nele sua potência de ser, como alguém que, mesmo me sendo próximo, carrega em si algo que não pode dizer sobre si mesmo para mim, e, por isso mesmo, será sempre intocável.
A total ausência de respeito pelo outro é o que caracteriza a figura do perverso. O perverso é aquele que por algum motivo, rompeu com o limite. Ele vive da crença de que é capaz de submeter o outro. No entanto, mesmo quando destrói o outro, não deixa de enganar a si mesmo. Ele vive da crença de que tomou posse de sua vítima, mas é apenas uma crença. A crença é sustentável apenas enquanto a vítima sustenta a posição do perverso. Em momento algum, no entanto, ele atingirá, o âmago da outra pessoa.
O perverso é um eterno logrado. Um frustrado que ilude o outro pelo medo. Quem se deixa levar é tamb´me iludido. E frustrado porque é impossível atingir o fundo irreconhecível de cada pessoa. Aquilo que justifica que somos seres humanos e que podemos sempre chamar de dignidade. Só esse olhar pode aniquilar uma olhar e uma atitude perversa. Limite é, no fundo, o lugar inatingível de cada um.
Márcia Tiburi, filósofa, escritora e artista plástica.
terça-feira, setembro 23, 2008
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Reflexões existenciais
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