terça-feira, abril 15, 2008












ALONENESS


Ficar (bem) sozinho


Só, mas não solitário


Em inglês há um recurso lingüístico para entendermos essa sutileza. Recorrendo à língua de Shakespeare, encontramos duas palavras distintas: loneliness e aloneness. Parecem sinônimos, mas não são. Traduzindo, loneliness quer dizer exatamente solidão, a condição de estar isolado, desacompanhado, solitário, abandonado. É triste estar em loneliness! Já aloneness tem um sentido positivo ­ significa que você está isolado, sim, mas porque você decidiu se isolar. Significa estar em companhia de si mesmo com algum objetivo nobre, como refletir, meditar, acalmar-se.

O interessante é que a primeira situação pode ser obtida independentemente de se estar ou não afastado de pessoas. O habitante de uma grande cidade, cercado por milhares ou até milhões de pessoas, pode estar no mais profundo estado de loneliness. É possível ser um solitário até convivendo e dormindo com outra pessoa ­ que é o pior dos castigos. Na outra mão, buscar um estado de solidão voluntária, estar em aloneness, pressupõe dar um tempo nas relações, o que pode acontecer até dentro de casa, naquele momento em que você pede - e é entendido - para permanecer quieto, em seu canto.

A grande vantagem de estar só é a ausência de interferências. Quando estamos acompanhados, ainda que por apenas uma pessoa, nosso pensamento receberá, necessariamente, a influência do pensamento do outro. E isto é bom, pois as interações ampliam os conceitos, aumentam a compreensão, enriquecem a cultura, esclarecem as dúvidas. Até aí, tudo bem, mas que é necessário interromper a ligação um pouco, para decantar as idéias, ninguém questiona. O poeta indiano Rabindranat Tagore, ganhador de Nobel, disse, a respeito de estar só: “Nunca ninguém se perdeu; tudo é verdade e caminho”. Para o poeta pensador, estar só é parte da estratégia da vida para nossa evolução.

Pensando bem, foi quando estava só que eu tive os grandes momentos de inspiração, tomei as principais decisões de minha vida, cheguei mais fundo na análise de minhas angústias, experimentei o prazer de minhas certezas. É quando estou só que a leitura faz mais efeito e a escrita flui com naturalidade. Sozinho, percebo que a música está tentando me fazer companhia. Foi na imensa solidão de meu pequeno quarto de adolescente que decidi que iria dedicar-me a algo que envolvesse a alma humana.

Amo imensamente minha mulher, tenho uma família em que os membros se apóiam e se curtem, possuo uma legião de amigos alegres e disponíveis. Sou dessas pessoas privilegiadas que podem se dar ao luxo de estar com alguém em todas as ocasiões. Mesmo assim, preciso da solidão, da aloneness redentora. É claro que a solidão seria imensamente angustiante se não tivéssemos o poder de interrompê- la buscando a companhia de alguém. Pois, da mesma maneira, a convivência com pessoas também seria uma maneira certa de produzir angústia, não fosse a possibilidade de ficarmos a sós, oportunamente.

O paradoxo da solidão

A escritora Lya Luft poetizou que “a solidão é um campo tão vasto que não deve ser atravessado a sós”. Pois quando li esse pensamento pela primeira vez, eu me dei conta do valor de tal campo. Tenho o hábito de me lembrar das pessoas que amo quando estou vivenciando um momento de grande prazer ou felicidade. Não consigo, por exemplo, não pensar em minha Lu, a companheira de sempre, quando um pôr-dosol se descortina inadvertidamente diante de meus olhos. Pois é o que sinto quando estou em um momento de extrema paz comigo mesmo. Está tão perfeito este momento que eu adoraria reparti-lo com quem amo.

Só então me dou conta do contrasenso da situação. Em minha solidão só caibo eu. Ou melhor, eu e meus sonhos. Aqueles dos quais fazem parte tantas outras pessoas, sem as quais a vida não teria sentido. Mas o momento de sonhar é um momento de concha, de casulo ­ um momento de estar só. Sim, pois até o sonho que se sonha junto, como queria Raul Seixas, começa com um sonho que se sonha só.

O paradoxo da solidão é que ela nos prepara para a convivência. Estar só é promover a recarga para estar junto. Sim, pois, ao conviver plenamente consigo mesmo, um homem aprende que precisa do outro para ser completo. Uma vez que somos anjos de uma asa só, e só voamos em conjunto, precisamos, antes, cuidar de nossa asa. Assim faremos nossa parte. A parte em que nos doamos por inteiro, porque inteiros estamos.

Eugenio Mussak é educador e escritor. E este artigo foi garimpado na Revista Vida Simples. Se tiverem um tempinho leiam a revista porque é excelente!


Achei bárbaro este texto do Eugêncio Mussak! Me identifiquei porque eu definitivamente adoro ficar sozinha e curto muito um momento "aloneness". Eu só não sabia que existia essa linda palavra que nomeia bem o que eu sinto. Amo meu namorado e a companhia familiar e de amigos mas não troco por nada ir numa boa banca e comprar várias revistas interessantes, catar um bom livro, pegar uma chicrona de café, colocar um pãozinho na torradeira e levar tudo pra cima da minha cama e ficar namorando meu quarto e minhas coisas. Tudo isso com uma musiquinha ao fundo ou mesmo o som do silêncio.

Dedico este artigo aos que sofrem de "loneliness" e também, claro, aos que estão agora sozinhos em frente ao computador e bem confortavelmente preenchidos de si mesmos.

beijos em todos!

Julia :)


3 comentários:

Mariah disse...

colocou um comentário no blog..."de noite na cama" sobre isso. tem que estar muito bem (consigo mesma) para se poder ficar só.
as vezes me vejo rabugente...é raiva de quem me tira o direito de estar só.
mariah

Papu Morgado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Papu Morgado disse...

Eu não sabia ficar só sem me sentir sozinha.
Não sabia dar valor a isso e queria estar sempre com alguém. Acho que tem tudo a ver com uma maior maturidade e com gostar da própria companhia ficar alone numa boa;
Já havia lido este texto e acho bacana. Um música tema para este tipo de momento é "private party" da India Arie. bjos