domingo, setembro 17, 2006


LOVE (SOBRE CULTIVAR O AMOR de Lya Luft)

Não se cultiva o amor. Pode-se cultivar o convívio, porque ele exige treinamento e paciência, e acomodamentos nem sempre fáceis. Exige, mais que tudo, que se inventem certos pequenos rituais até inconscientes, para que não nos sufoque a poeira desse cotidiano com sua inevitável banalidade.

Mas o amor é flor selvagem, que precisa de ar e liberdade para desabrochar – por isso é belo e difícil.

Tem o seu tempo, tem suas possibilidades, e pouco sabe de tudo isso: pouco sabe de nós, a quem inunda e carrega. É como se a trama amorosa fizesse parte do seu mistério, da sua raiz secreta, que nunca alcançaremos por mais que se cave, se voe, se perscrute, se cante e chame.

O amor é por isso mesmo imponderável, como a arte: não sei por que o poema nasceu, nem para onde vai quando penso o seu primeiro verso ou sinto o seu primeiro ritmo.

O amor é como uma escultura que se faz: nós apenas assistimos a isso que nasce e nos inunda, desejamos tão intensamente que não mude, que seja sempre deslumbrante... Quando começa a murchar, batemos pé como crianças ao se apagarem as luzes da árvore de natal.

“Você é tão criança!” nos dizem com ar de condescendência. Mas, se não guardássemos em nós ainda essa infância, não teríamos amado com tamanha entrega nem com tal beleza. Portanto, tudo é contradição, nós somos contradição, nisso está o enigma e a fascinação da vida.

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